sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Uma flor por entre as pedras.

     Caminhava distraído, perdido em seus próprios pensamentos e a vida lhe parecia dura, quase cruel. Sentia ter perdido o domínio de seus sentidos, não sentia os pés tocarem os cascalhos da estrada por onde andava e olhava, mas não via nada. O céu carregado tornava o próprio ar livre abafado, parecendo sufocar tudo à sua volta. O vento não soprava e nada se movia além daquele indivíduo, que parecia com um caminhante perdido no deserto à procura de uma fonte de água.
     Sua caminhada era vagarosa, como se cada passo lhe pesasse, mas mesmo assim contínua, quase automática. Tudo nele parecia ter um peso enorme, nada estava bom. As lembranças de tudo que perdera, das coisas que desperdiçara e de todos os seus erros lhe atormentavam, tornando tudo ainda mais duro de ser enfrentado.
 Havia um bolo enorme em sua garganta, que com o passar dos longos minutos se transformou num choro, a princípio temeroso, mas por fim constante.
     Era um ser perdido. Tudo em sua vida fora sem sentido, crescera sempre pensando que as coisas seriam perfeitas para ele e que nada lhe poderia deter. Tudo sempre estaria a seus pés. Mas agora que ele perdera seu chão e estava caminhando sem rumo com passos lentos e arrastados, percebia o quanto estivera equivocado. Seria possível mudar? 'Nada poderia tornar-se bom, a partir de algo cujo princípio era ruim', pensava ele.
     A longa estrada diante dele perdeu sua uniformidade, transformando-se em um caminho desnivelado, seguido por uma longa e desanimadora subida. O chão era seco, poeirento. Não havia nenhum resquício de vida naquele lugar, tudo parecia morto, da mesma forma que ele. "Há pessoas que parecem vivas, mas por dentro estão mortas", ele lembrou-se subitamente da frase que vira em um filme, há muito tempo. Ele com certeza perdera sua vigorosa fonte de vida, restara-lhe apenas o desânimo e o desespero. Ah, quem dera se ele pudesse recomeçar tudo outra vez!
     Aos poucos, ele iniciou a dolorosa subida. Repentinamente, pequenos pingos de água começaram a cair timidamente. Ele sentiu o peso que havia dentro dele aumentar e não mais podendo seguir, caiu e foi de encontro ao chão. A poeira espalhou-se por sua roupa estraçalhada, mas ele não se importou. Permaneceu ali por alguns minutos, com os olhos fechados, sentindo a dor lhe consumir.
     Mas então um sopro de vento o despertou e ele ergueu sua cabeça. Sentiu os pingos de chuva caírem em sua face e o ar tornou-se mais fresco, mais fácil de ser inalado. Baixou a cabeça e abriu os olhos, despertando totalmente. Observou primeiramente a si mesmo e em seguida olhou para o chão à sua frente. Observou os pingos caírem, marcando a poeira e em seguida, tornando o chão uniforme.
     Então ele viu. Diante dele, naquele lugar sem vida, naquele solo seco, poeirento e com algumas pedras, no local mais improvável que se podia imaginar... brotava uma flor! Uma flor pequena, mas bela. Sem acreditar no que vida, ele esfregou seus olhos para certificar-se. Sim, havia uma flor ali! Os pingos de chuva, umedeciam suas folhas e suas pétalas, e por mais improvável que fosse, a própria flor parecia contente.
     Então ele sorriu. Uma flor! Sim, uma flor! Um resquício de vida, em meio a um solo impróprio.
     Então ele pôs-se em pé, sentindo-se leve outra vez, como se o peso que antes lhe dominava tivesse simplesmente sumido sem deixar vestígios. Sentiu a chuva cair sobre ele, despertando-o completamente. Ele tinha uma nova oportunidade e dessa vez não a deixaria escapar. Ele poderia recomeçar, iria consertar seus erros, reparar tudo que destruíra, era sua chance de mudar!
     Uma flor nascera naquele lugar horrível. Não apenas no chão à sua frente, mas também dentro dele próprio. Uma flor brotando, trazendo esperança, trazendo uma oportunidade única. Ele abriu os braços, fechou os olhos e ergueu sua cabeça, sentindo as gotas de chuva sobre ele. Sentia-se vivo outra vez, sentia-se como uma flor por entre as pedras.
Por Lerissa Kunzler.
(Conto escrito com inspiração nas músicas: "Winterfell" e "The Night's Watch", da trilha sonora de Game Of Thrones).

Um comentário:

  1. As vezes a vida nos leva por caminhos áridos, pelos ermos e sequidão, mas a chuva serôdia pode fazer brotar uma flor por entre as pedras e falar ao coração.

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