segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Resenha da obra: O Uraguai, de Basílio da Gama


Título: O Uraguai
Autora: Basílio da Gama
Editora: L&PM
Edição: 1
Ano: 2009
Nº de páginas: 144

Sinopse: O Uraguai - Em um poema de cinco cantos e 1377 versos, Basílio da Gama registrou a luta contra os índios promovida por portugueses e espanhóis na conquista dos Sete Povos das Missões. Estes versos, escritos em 1769, estão agora acessíveis acrescidos de uma versão em prosa.
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     O Uraguai, que pertence ao período literário do Arcadismo, é todo escrito em forma de versos, como era comum naquela época. O poema foi escrito por Basílio da Gama em 1769, trazendo presente toda a luta e o sofrimento dos índios e a disputa de interesses entre jesuítas e portugueses. A história se passa na região dos Sete Povos das Missões, no Rio Grande do Sul, e traz consigo muitos heróis e heroínas, como o grande Sepé Tiarajú, por exemplo.

     Finda a leitura, tive a certeza de que O Uraguai é uma das mais belas narrativas em versos que a Literatura tem para nos oferecer.
    Pode, entretanto, ser um livro de difícil compreensão para quem talvez não tenha facilidade com o vocabulário ou que, talvez, nunca tenham lido um texto neste formato. Neste caso, é bom escolher uma das versões comentadas, como esta mesma, que "traduzem" em palavras mais simples o que os versos dizem.
"[...] A nós somente
Nos toca arar e cultivar a terra,
 Se outra paga mais que o repartido
Por mãos escassas mísero sustento.
Pobres choupanas, e algodões tecidos,
E o arco, e as setas, e as vistosas penas
São as nossas fantásticas riquezas."
                                                                                 p.63
     Também é importante se ter em mente que, para se compreender verdadeiramente uma obra, seja ela qual for, é importante captar o seu contexto. No caso desta é interessante saber um pouco mais acerca da vinda dos portugueses para o Brasil e da "descoberta" desta Terra de Santa Cruz. A obra deixa até bem explícito muitos dos elementos históricos importantes, dentre eles o conflito e disputa entre portugueses e jesuítas, a preocupação em encontrar ouro (a única riqueza que realmente interessava aos portugueses), o Tratado de Madri que acabou ocasionando a busca pela expulsão dos índios das Missões - raiz de toda a presente história, dentre outros.
     Outro aspecto importante a ser levado em consideração é que a presente obra traz o ponto de vista dos portugueses. Basílio da Gama havia estudado para se tornar jesuíta, mas se desligou da ordem e acabou se tornando um influenciado pelo Marquês de Pombal.

"Gentes de Europa, nunca vos trouxera 

O mar e o vento a nós. Ah! não debalde

Estendeu entre nós a natureza

Todo esse plano espaço imenso de águas."

                                                                                   p.69
    Os portugueses condenam os jesuítas pelo que fizeram e estes, por sua vez, fazem dos portugueses a pior figura. E, no meio de ambos, estão os índios, cercados por uma realidade diversa e opiniões conflituosas, enquanto tudo o que queriam e necessitavam era poder viver suas vidas em paz e a seu próprio modo.
    Por mais que um ou outro modo de agir ou pensar possa nos parecer errado, não podemos condenar ninguém e nem temos este direito, até porque não temos como pensar da maneira como se pensava naquela época. Se buscarmos fazer isso, porém, veremos que cada um tem a sua parcela de razão a seu modo.
"Fez proeza Sepé naquele dia.
Conhecido de todos, no perigo
Mostrava descoberto o rosto e o peito,
                                  Forçando os seus co'exemplo e co'as palavras."                                                                                                                             p.79
    Os jesuítas, por exemplo, são condenados e personificados como exploradores e destruidores da cultura dos índios. Tudo bem, mas que tal vermos a situação do ponto de vista deles? Eles foram mandados para a América já com a obrigação de catequizar os povos nativos. Vieram, pois, para cá e então se depararam com os indígenas que para eles pareciam tão estranhos, pois não tinham cultura, vergonha ou hábitos bons.
     Os jesuítas passaram, então, a impôr sua cultura sobre a deles, sem considerar, no entanto, que os indígenas possuíam tudo e todo o necessário para uma vida plena e feliz ao modo deles.
"Acorda o índio valeroso, e salta
Longe da curva rede, e sem demora
O arco e as setas arrebata, e fere
O chão com o pé: quer sobre o largo rio
                                         Ir peito a peito a contrastar co'a morte."                                                                                                                    p.87
    Temos aí um conflito de opiniões. Os jesuítas - e os portugueses também - olharam para os índios de seu próprio ponto de vista e não observaram a partir da visão de mundo que os índios mesmos possuíam.
     Assim, acabaram colocando os índios sob o que eles consideravam como certo e passaram a ser classificados da maneira como os portugueses os designaram.
    Por que falo tudo isso?
    Simplesmente pelo fato de que, no decorrer de toda a obra, vemos o ponto de vista dos portugueses retratado por Basílio da Gama e, muitas vezes, compramos o discurso que nos é oferecido, sem pensar no que está além daquilo que a obra traz.
"Os olhos, em que Amor reinava um dia,
Cheios de morte; e muda aquela língua
Que ao surdo vento e aos ecos tantas vezes
                                      Contou a larga história de seus males."                                                                                                                       p.115
     Um bom leitor não é aquele que lê uma obra que representa determinado ponto de vista e o aceita como verdadeiro, único e universal, mas sim aquele que busca compreender o todo, o contexto, as características e, principalmente, os diversos pontos de vista em questão.
     Não estou defendendo nenhum lado, apenas defendo a posição de que cada lado, cada ponto de vista, possui sua parcela de razão. E, para que a compreendamos, temos que pensar da maneira como se pensava naquela época e não de nosso próprio ponto de vista particular, pois os interesses, a vida, o modo de viver, eram todos completamente diferentes dos atuais.
     No fim de tudo, os azarados são mesmos os índios, que tiveram a infeliz sorte de estar bem no meio de uma conflituosa disputa de interesses.
    É uma obra escrita com muita sensibilidade e com genialidade, como vem exemplificado nos versos abaixo:

As campinas que vês e a nossa terra,

Sem o nosso suor e os nossos braços,

De que serve ao teu rei? Aqui não temos

Nem altas minas, nem caudalosos

Rios de areias de ouro. [...]
                                                                 p.61

     É uma obra que vale a pena ser lida pela sua grandiosidade e pelo período histórico que representa. Uma obra que nos sensibiliza, nos faz tristes ou esperançosos. Um livro único.
     Este livro também entre para o Desafio 2015 do qual o blog NMW está participando.
Por Lerissa Kunzler

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