Sentado em uma velha escrivaninha
de madeira, em um dia escuro e chuvoso, ele escrevia. As ideias surgiam em
turbilhões, povoando a mente de pensamentos luminosos que se perdiam com a
rapidez de um relâmpago. A mão corria com uma rapidez surpreendente sobre o
papel, numa velocidade incomum, que era resultado de décadas de prática.
Cabelo desgrenhado, com mechas
indomadas caindo sobre a testa alva, os óculos sobre a ponta do nariz e o lápis
na mão, já reduzido a um toco quase inútil. Qualquer pessoa racionalmente
saudável já o teria posto fora há um bom tempo, mas ele não conseguia se livrar
daquele pequeno toco de madeira, com o interior preenchido por um grafite que
raramente se quebrava. Na opinião dele, hoje em dia não existiam mais lápis
assim. Pelo menos não como aquele.
Não, ele não era maluco. O fato é
que aquele lápis velho e minúsculo era-lhe um tesouro de valor incalculável.
Quando não estava escrevendo e sua mente estava por ora desocupada, embora
ainda em busca de ideias, ele encarava aquele pequeno toco com um olhar vago,
imaginando e recordando tudo pelo que eles haviam passado juntos. Ele jamais se esqueceria do quanto aquele
lápis marcara momentos importantes de sua vida.
Fora em uma tarde de junho, pouco
antes das férias de inverno. Era um dia frio e o vento parecia congelar com seu
sopro a alma de qualquer pessoa que se aventurasse porta afora. A neve caía
fina e tranquila, envolvendo em um manto branco tudo o que a vista pudesse
alcançar. Ele, um menino bagunceiro de dez anos, estava olhando as labaredas do
fogo aceso na lareira, enquanto brincava com os fios de lã do tapete. Aqueles
fios de lã eram tão convidativos que o menino poderia passar a tarde toda
entretido com eles. Mas a mãe não gostava nem um pouco de sentar no sofá no fim
de uma longa tarde de serviço para então encontrar inúmeros pequenos nós em um
emaranhado de fios no seu tapete.
Ao erguer o olhar através da
janela, o menino viu que um viajante estava passando. Eles eram comuns naquela
época do ano, trazendo todos os tipos de encomendas que os escassos moradores
do local precisavam, de modo que não havia necessidade para que estes viajassem
por horas até a cidade. O menino observou o vulto escuro voltar para sua
charrete, envolto em grossas camadas de lã. Mas algo subitamente prendeu sua
atenção. Estaria sonhando ou seria uma peça sendo pregada pelos seus olhos
sonolentos?
Largando os fios de lã e deixando
para trás o calor aconchegante da lareira, o menino correu pela neve fria, para
o local onde imaginara ver algo atingir o chão. Não era nada grande, nem
chamativo, caso contrário o viajante teria percebido. O que seria então?
Revirando o local, o menino encontrou o que buscava. Em meio à neve branca e
fofa, repousava um lápis. O menino juntou-o com seus dedos minúsculos e o
observou. Era azul escuro, um azul anil. Nunca tinha visto algo tão belo.
A família do menino nunca havia
passado por nenhuma necessidade séria e viviam bem. Mas também não podiam se
dar ao luxo de desperdiçar as economias em coisas sem utilidade. E um lápis
azul anil, mesmo que fosse resistente e cheio de floreios, era uma dessas
coisas. Foi por essa razão que aquele lápis se tornou para o menino um tesouro
particular. Andava sempre com ele no bolso, ou sobre a orelha, ou então entre
seus dedos. Mas nunca o largava.
Fora um grande motivo de orgulho
para o menino voltar às aulas duas semanas depois e completar sua primeira
prova utilizando o lápis azul anil. Podia até sentir os olhares admirados que
seus colegas lhe dirigiram. Ele nunca fora bom em muita coisa. Não era um aluno
nota dez, não era o que as coleguinhas chamariam de bonito e, quando jogava
futebol, era normal acontecer de seu chute errar a bola. Mas ele tinha um lápis
azul anil. E isso mudava tudo.
Ahh, aquele lápis azul anil...
Estivera com ele desde sua infância de menino bagunceiro, até quando cresceu e
se tornou um jovem quieto e solitário. Estivera com ele no momento mais triste
de sua vida, quando perdeu sua mãe e após o enterro, sentara-se ao chão ao lado
do túmulo, para rabiscar sobre o chão de pedra o contorno de fios de lã bem
arrumados, do jeito que a mãe gostava. Estivera com ele quando seu pai – sempre
exalando fumaça com seu charuto – se mudou com ele para a cidade.
Fora com ele que o jovem, que já
não era mais menino, anotou o telefone da primeira garota com quem saiu em sua
vida. Fora com ele também que o jovem escrevera seu primeiro poema, após
dolorosamente partir seu coração. E foi então que ele teve uma descoberta que
mudou a sua vida e que deu maior significado ao lápis azul anil: escrever, escrever e escrever. Nem
sequer temia o fato de que seu adorado lápis azul anil ia reduzindo lentamente
de tamanho.
O jovem escrevia agora todos os
dias, sentado a uma escrivaninha nova de madeira, buscando inspiração nas pinturas
de cores vivas na parede. Lembrava-se de sua vida, de sua infância; pensava em
seus sonhos e na pessoa que almejava ser. Cuidava de seu pai e com ele
conversava, ao mesmo tempo em que usava o lápis azul anil para anotar possíveis
ideias para seus escritos em um bloco de papel. O jovem escrevia para iluminar
a sua vida e a vida de outros, para dar cores a seus sonhos e torná-los reais,
para dar uma razão à sua vida. Daqui a algumas décadas ele talvez não estivesse
mais ali, mas seria lembrado pelos seus escritos que ficaram para trás. Assim,
ele sempre poderia alcançar seu objetivo de inspirar e incentivar as pessoas ao
seu redor.
O tempo passou. A escrivaninha
envelheceu, as cores vivas das pinturas desbotaram. O velho, que já não era
mais jovem, continuava ali, escrevendo, escrevendo e escrevendo. Cabelo
desgrenhado, óculos sobre o nariz e as ideias povoando a mente. Escrevia,
perseguindo suas ideias, como se estivesse tentando agarrar um cometa pela
cauda, antes que desaparecesse de sua vista para sempre.
Com um profundo suspiro de
satisfação, o velho terminou o último escrito de sua vida. Segurando com força
o pequeno toco que teimava em querer escapar de seus dedos, ele voltou à
primeira página. Observou por alguns instantes o pequeno toco, cuja cor
original não podia ser descrita com clareza, e sentiu-se feliz, pois ambos –
ele e o pequeno toco – estavam a ponto de cumprir sua última tarefa juntos.
Voltou então para a página e, no topo dela, ele escreveu o título: Meu velho
lápis azul anil.
Da autoria de Lerissa Kunzler
Muito bom esse texto, bem original e criativo. Parabéns.
ResponderExcluirArthur Claro
http://www.arthur-claro.blogspot.com
Opa, muito obrigada!! Fico muito feliz que tenha gostado!! xD
ExcluirObrigada pela visita!! :D
Oi Lery!
ResponderExcluirEstou de volta hahaha
Nossa! Que nostálgico seu texto hahaha
Estava com saudade da sua escrita, espero o dia em que publicará um livro (vou querer o meu autografado viu!?!)
Beijos
LiteraMúsicas | Fanpage
Hahahaha É, me veio de repente a inspiração!! xD
ExcluirÉ, um dia eu chego lá e pode deixar que autografo sim!! hahahah :D
Obrigada pela visita!! :D
Muito criativo o texto. Parabéns!
ResponderExcluirhttp://diario-deleitores.blogspot.com.br/
Opa, muito obrigada, fico muito feliz!! xD
ExcluirObrigada pela visita!! :D
Amei o texto e gosto da sua escrita, sempre passo por aqui para ler ^^
ResponderExcluirParabén, beijos
citacoesdeumleitor.blogspot.com.br